Por Jonathan Gottschall
Na primeira parte de uma série em três partes, o autor Janathan Gottschall discute a ciência de contar histórias – não apenas um escapismo, as histórias têm real poder de manter a atenção humana e de formar o nosso pensamento.
Os seres humanos vivem numa tempestade de histórias. Nós vivemos histórias todo o dia e sonhamos com histórias toda a noite. Nós nos comunicamos através de histórias e aprendemos com elas. Nós nos debruçamos de maneira agradecida sobre uma história após um longo dia de trabalho. Sem histórias de vidas pessoais para organizar a nossa experiência, as nossas próprias vidas ficariam incoerentes e sem significado. O nome Homo sapiens é uma definição muito boa da nossa espécie. Mas, Homo fictus (homem de ficção) seria uma definição igualmente boa. O Homem é um animal contador de histórias.
Quando se trata de marketing, uma empresa como a Coca-Cola percebe isto. Eles sabem que, no fundo, eles são muito mais uma fábrica de histórias do que uma fábrica de bebidas. Não importa no que eles gostariam que nós acreditássemos, o sucesso da “Coke” não é devido a alguma mágica no seu xarope de água gasosa (pelo menos não desde que eles eliminaram a cocaína). A Coca-Cola se destaca porque ela tem esmagado a concorrência na guerra das histórias durante mais de um século. As pessoas querem ver a si próprias nas histórias contadas pela Coke. A Coke entende que os seus consumidores são membros da espécie Homo sapiens e que ela terá sucesso ou fracasso principalmente com base no poder da sua capacidade de contar histórias.
Como argumentou Scott Donaton numa postagem recente em Co.Create (veja aqui), outras marcas deviam aprender esta lição tão bem como a Coca-Cola aprendeu. “O desafio agora está claro” escreve Donaton, “O marketing intrusivo, interruptivo, autocentrado não mais funciona da maneira que funcionava antes, e a sua eficácia somente irá continuar a diminuir na era social. A questão é o que irá substituir o modelo legado. A resposta tem uma palavra: história”. História é a resposta por dois motivos, ambos apoiados por uma ciência convincente. Em primeiro lugar, porque as pessoas são naturalmente ávidas por histórias, e as histórias têm o poder único de prender e de firmar a nossa atenção. Em segundo lugar, porque as histórias não são apenas escapismos divertidos, mas elas têm a quase assustadora capacidade de moldar o nosso pensamento e o nosso comportamento. Nesta postagem, eu descreverei a ciência que está por trás do poder que têm as histórias de atrair a atenção, deixando a sua capacidade de moldar o nosso pensamento e o nosso comportamento para uma postagem que virá a seguir.
As marcas jogam numa economia de disputa intensamente competitiva pela atenção. O problema não é somente que a atenção é um recurso lamentavelmente escasso em relação à demanda, mas que ela é também fragmentada e dispersa. Nós não podemos culpar os nossos smartphones ou outras tecnologias modernas pela nossa limitada capacidade de prestar atenção. A mente humana é errante por natureza. O devaneio é o seu estado padrão. Quando a mente não tem nada realmente importante para fazer, ela fica entediada e começa a passear pela terra da fantasia. Estudos mostram que nós gastamos cerca da metade das horas em que ficamos acordados – um terço da nossa vida na Terra – fantasiando. Nós temos aproximadamente dois mil desses devaneios por dia, cada um deles com uma duração média de quatorze segundos. Em outras palavras, as nossas mentes estão simplesmente voando por aí todo o tempo.
Logo, este é o desafio mais fundamental que enfrentamos na economia da atenção: como controlar a nossa mente que gosta de viajar por aí? Como passar por cima da tendência natural de uma mente, que tende a fugir de qualquer coisa que estivermos mostrando para ela? Contando histórias. Na vida normal, nós fazemos cem devaneios por cada hora na qual ficamos acordados. Mas, quando estamos absorvidos numa boa história, quando vemos um show como Breaking Bad, ou quando lemos uma novela como The Hunger Games, nós temos aproximadamente zero devaneios por hora (exceto no momento dos comerciais, pelo menos na televisão brasileira). As nossas mentes ficam paradas e prestam muita atenção, frequentemente por horas a fio. Isto é realmente muito impressionante. O que isto significa é que as histórias agem como uma droga que realmente nos embala num diferente estado de consciência.
Para ilustrar porque, vamos percorrer um experimento. Imagine que você está morando em Paris em 1896 e que você foi convidado para ver algo sobre o que você ouviu falar, mas que nunca viu. Você sai de uma rua quente e clara e entra num teatro frio e escuro, no qual há uma tela branca, que se abre numa deslumbrante explosão de luz, como se fosse uma janela que se abre num universo alternativo. Você está vendo uma das primeiras telas de cinema do mundo. E o que você vê nesta janela mágica é aterrador. Este filme foi produzido pelos irmãos Lumière, sendo chamado “A chegada de um trem”. Vá em frente e veja-o agora, mas segure-se! Indiscutivelmente, este foi o primeiro filme de horror da história.
“Enquanto o cérebro assiste uma história, você descobre algo interessante. O cérebro não parece ser um espectador, ele parece ser um participante da ação”.
Não se preocupe em assistir a todo o filme. Nada acontece. Um trem chega na estação e as pessoas se movimentam. Você ficou horrorizado? Bem, de acordo com história do filme, a primeira plateia ficou tão horrorizada que as pessoas se levantaram dos seus assentos e correram para a saída. Elas não queriam ser atropeladas pelo trem. Os historiadores dos filmes acreditam que esta história de caos num cinema em Paris é provavelmente exagerada. Mas, se ela é verdade ou não, a história comunica a mesma ideia. As primeiras plateias nos cinemas não conheciam a ilusão dos filmes. Mas, após mais de um século de experiência, nós, os modernos, conhecemos os filmes muito bem. Os filmes de trens não mais nos assustam.
Mas, vamos devagar. Considere este trailer do filme de horror Paranormal Activity 3. O que está acontecendo aqui? Estas pessoas não são idiotas. Este não é o primeiro filme que elas assistem. Elas sabem que o sangue não é real. Eles sabem que não existem fantasmas ou monstros no cinema. Elas sabem que tudo que elas estão vendo é apenas uma luz brilhando numa tela de duas dimensões. Então, porque elas estão considerando coisas falsas como reais? A neurociência dos cérebros sobre ficção nos dá uma dica. Se você colocar uma pessoa numa máquina de ressonância magnética, que observa o cérebro enquanto ele assiste a história, você descobrirá algo interessante: o cérebro não parece ser um espectador, ele parece mais ser um participante da ação. Quando Clint Eastwood fica com raiva na tela, os cérebros das pessoas que estão assistindo também parecem ter raiva; quando a cena é triste, os cérebros dos espectadores também sentem tristeza.
Nós sabemos que a história é falsa, mas isto não impede as partes inconscientes do cérebro de processa-la como real. É por isso que as plateias de um filme de horror se encolhem nas suas cadeiras, gritam por socorro e tentam proteger os seus órgãos vitais. É por isso que os nossos corações disparam quando o herói da história é ameaçado, e porque nós choramos diante da morte (falsa) de um pequeno animal de estimação. As histórias poderosamente fisgam e seguram a atenção humana porque, no nível cerebral, o que estiver acontecendo numa história também está acontecendo conosco.
Mas, tudo isto leva a uma maior questão. A maioria de nós pensa numa história como um meio de agradavelmente nos distrair, em nosso tempo de lazer. Há alguma evidência de que as histórias sejam realmente eficazes para nos influenciar e, nos influenciando, modificar o nosso pensamento e o nosso comportamento? Sim. Um monte de evidências. E este será o tema da minha próxima postagem.
Sobre o Autor: Jonathan Gottschall é o autor de The Storytelling Animal: How Stories Make Us Human, (em português, O animal contador de histórias: como as histórias nos tornam humanos), publicado por Houghton Mifflin Harcourt. O seu trabalho tem sido destacado na New York Times Magazine, na Scientific American, e na Chronicle of Higher Education, entre outras.
Fonte: Fast Co.Create
Tradução e edição: Fernando B. T. Leite