Por Jonathan Gottschall
Nesta segunda parte, de uma série de três partes, Jonathan Gottschall discute o poder único que têm as histórias para mudar mentes e o segredo da sua eficácia. Para ler a primeira parte, Clique Aqui.
No seu livro de 1897 “O que é a arte?” o grande novelista russo Leon Tolstoy definiu arte como “uma infecção”. A boa arte, escreveu Tolstoy, contamina a audiência com a emoção e as ideias do contador de histórias. Quanto melhor for a arte mais forte será a infecção – quanto mais furtiva ela for, ela contorna quaisquer imunidades que possuímos e planta o vírus. Tolstoy chegou a esta conclusão através de intuição artística e não da ciência, mas, mais de um século após a sua morte, isto é exatamente o que psicólogos estão descobrindo no laboratório. Quando nós nos aprofundamos numa história, nós entramos num estado mental alterado – um estado que nos torna altamente sugestionáveis.
Note que isto vai contra a ideia dominante na nossa cultura sobre histórias. Quando eu pergunto aos meus alunos porque as pessoas gostam de histórias, a maioria deles cita escapismo. A vida é dura, mas o reino das histórias é fácil. As histórias nos dão umas curtas férias dos problemas da nossa vida real. Nós entramos no mundo do faz de conta das histórias e desfrutamos um bom momento e, então, dele saímos ilesos e inalterados. Mas, se pensarmos assim, estaremos errados. Estudos mostram que os nossos medos, nossas esperanças e nossos valores são fortemente influenciados pelas nossas histórias.
Por exemplo, se psicólogos juntarem um grupo de pessoas no laboratório e apenas disserem a elas quais são todos os motivos pelos quais é errado discriminar homossexuais, eles não farão muito progresso. As pessoas que pensarem de outra forma vão fincar mais profundamente os saltos no chão. Elas se tornarão críticas e céticas. Elas não sairão do laboratório com pontos de vista mais tolerantes. Mas, se elas assistirem a um espetáculo na TV como “Will and Grace”, que trata a homossexualidade de uma maneira sem um pré-julgamento (sem preconceito), os pontos de vista podem mudar na mesma direção. E se muitos de nós começarmos a simpatizar com indivíduos gays, em espetáculos como Ellen, Modern Family, Six Feet Under, e Glee (todos shows da TV americana com muitos personagens gays), você pode se ver diante de um fator que pode causar grandes mudanças sociais. As atitudes americanas em relação à homossexualidade têm ficado mais liberais numa velocidade estonteante nos últimos 15 anos e os cientistas sociais atribuem à televisão algum crédito por isso.
Portanto, as histórias têm uma capacidade única para contaminar mentes com ideias e atitudes que se espalham de maneira contagiosa. A próxima pergunta é óbvia: como nos tornarmos capazes de usar esse poder? Isto não é fácil, pois, a história precisa ser boa, ou ela não vai funcionar. Eis o que eu quero dizer por uma “boa” história: estudos psicológicos mostram que nós não somos contaminados por uma história a não ser que sejamos emocionalmente transportados – em outras palavras, a não ser que fiquemos emocionalmente envolvidos pela história.
E como nós fazemos uma audiência se envolver numa história? Esta é uma árdua tarefa que inúmeros livros, cursos em filmes e textos criativos tentam responder. Mas, um bom começo é aprender a usar a fórmula mágica básica de uma história. Histórias – desde os grandes poemas épicos a fofocas de escritório – são quase sempre sobre seres humanos enfrentando problemas e tentando resolvê-los. As histórias têm a estrutura de solução de um problema. Elas são sempre sobre dificuldades e, quase sempre, não são sobre gente que está “numa boa”. Elas geralmente são sobre pessoas que estão passando por maus bocados, às vezes, os piores das suas vidas, e estão lutando para resolvê-los.
Mas, as histórias não são geralmente sobre a solução de problemas sem significado. A não ser que uma história esteja comunicando alguma mensagem moralizante, algum conjunto de valores ou de ideias, ela irá parecer vazia. Moby Dick é uma grande novela porque toda a ação comunica uma profunda mensagem sobre o bem e o mal.
Num ambiente de negócios, isto torna uma história um veículo natural para transmitir ideias, valores e visão. No fundo, é para isto que serve toda ação de uma história: uma história é um veículo de entregas para a mensagem do narrador. A história é o que faz a infecção se esgueirar pelas nossas imunidades e através das nossas resistências. E a história então nos torna hospedeiros, que espalham uma infecção através das redes sociais, o que ajuda a criar epidemias.
O neuroeconomista Paul Zak estuda como isto funciona no nível cerebral. Ele pagou 20 dólares americanos (aproximadamente 45 reais) a sujeitos de pesquisa e então pediu para eles lerem uma história triste e constrangedora sobre um pai e seu filho, que tinha uma doença terminal, ao mesmo tempo em que eram colhidas dos participantes amostras de sangue antes e depois da história. Ao final do estudo, as pessoas tiveram a oportunidade de doar dinheiro para uma obra de caridade, que atendia crianças doentes. Após a história, as amostras de sangue mostraram picos sanguíneos de ocitocina. A ocitocina é um hormônio que tem sido chamado de a substância química da empatia. E quanto mais ocitocina havia no sangue, maiores doações fizeram esses estudantes para a obra de caridade (em média eles doaram a metade do que receberam). O estudo sugere que as histórias alteram os nossos comportamentos através de uma mudança bioquímica cerebral.
Mas, Zak destaca, assim como eu, que a informação sobre a criança doente tem que ser apresentada sob a estrutura de uma história clássica. Na falta dessa estrutura, não se obtém o envolvimento emocional, não há as alterações bioquímicas cerebrais e não há mudanças do comportamento – que, neste caso, consistem, anote, de pessoas tomarem a decisão de doar dinheiro.
Para ver um exemplo de uma marca que entende a estrutura da história, procure um anúncio de carne seca de Jack Link. Ele habilmente resume uma história clássica num comercial de 30 segundos. Nós temos o protagonista – um inocente caipira que é tão amável e sem esperança que não é nem capaz de caçar um coelho para o seu jantar. E nós temos o seu rival, convencido e bebedor de cerveja, que o atormenta sem qualquer motivo. E então, temos a justiça poética que as pessoas anseiam encontrar nas histórias: o herói dá ao vilão o que ele merece.
Note que estes anúncios não dizem nada sobre as qualidades do produto. Nenhum personagem sorridente chega e diz “Experimente a nossa carne seca, que é deliciosa”! A estratégia de Jack Link foi simplesmente contar as melhores e mais divertidas histórias que ele foi capaz de contar, com a carne seca aparecendo na história apenas como algo que estava à vista – exatamente como a lata de Coca-Cola pode aparecer num episódio da série CSI (série de TV americana sobre Investigação de Locais de Crimes). Esta tentativa de criar uma conexão emocional positiva com os consumidores funciona muito bem. As pessoas gostaram tanto dos anúncios que pararam o que estavam fazendo para vê-los milhões de vezes no YouTube e para compartilhá-los através das redes sociais. Como resultado dessa campanha, Jack Link é agora uma marca que a maioria de nós conhece e sobre a qual pensa positivamente.
Tudo isso traz uma nova pergunta. Devem os profissionais de marketing se sentir mal por estar usando histórias como uma ferramenta para moldar valores e para ganhar dinheiro? É claro que sim, mas talvez não muito. Afinal, pessoas como Melville, Tolstoy e Shakespeare estivam jogando o mesmo jogo. Eles esperavam nos contaminar com algumas ideias sobre a vida, enquanto ganhavam tanto dinheiro e fama quanto possível. Este artigo não é um conjunto de instruções para transformar uma história numa prostituta. Ele é apenas uma explicação do porque uma história tem sempre sido uma prostituta.
Mas, vamos retroceder por um momento. Está a narração de histórias realmente ligada a uma fórmula mestra? A revolução digital não pavimentou o caminho para um novo tipo de narração de histórias? Este é o assunto da minha próxima postagem. Chegou o momento da história 2.0?
Acompanhe na semana que vem a última série desta trilogia.
Sobre o autor: Jonathan Gottschall é o autor de: The Storytelling Animal: How Stories Make Us Human (em português, O animal contador de histórias: como as histórias nos fazem ser humanos), publicado por Houghton Mifflin Harcourt. O seu trabalho tem sido destacado no New York Times Magazine, Scientific American, e o Chronicle of Higher Education, entre outros.
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Fonte: Fast Co.Create
Tradução e edição: Fernando B. T. Leite